terça-feira, 10 de abril de 2012

Poesia & Relações Internacionais

Pode a poesia abalar as relações internacionais?


O que aconteceu:  no dia 04 de abril, o escritor alemão Günter Grass publicou, no jornal Süddeutche Zeitung, sua nova poesia entitulada Was Gesagt Werden Muss – O que deve ser dito (tradução livre), que gerou enorme polêmica e muito debate. Veja a notícia original aqui.

Quem é Günter Grass: escritor alemão e vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1999, é o autor de O Tambor (que ainda não li, mas que foi filmado em 1979 e ganhou, no Festival de Cannes, o prêmio de melhor filme e, no ano seguinte, o Oscar de melhor filme estrangeiro).

Hoje, ele tem 84 anos e é uma figura controversa: há alguns anos, em obra autobiográfica, revelou que foi membro das Forças Armadas da Alemanha Nazista. A notícia, oculta por 6 décadas, gerou contendas. Alguns autores posicionaram-se a favor de Günter Grass, defendendo a ideia de que autor e obra são coisas distintas. O escritor português José Saramago o criticou, e outros foram ainda mais longe em seus julgamentos em relação à obra e à ética do autor.

Sobre o que é: por meio do poema, Günter Grass posiciona-se em relação a temas controversos da atual política internacional. São eles: possibilidade de ataque preventivo de Israel ao Irã; possibilidade de haver, sob jurisdição do primeiro, arsenal atômico; impossibilidade de inspeção desse arsenal e necessidade de fazê-lo, assim como em relação às instalações nucleares iranianas; apatia da comunidade internacional frente a essas questões; crítica à venda de submarinos nucleares pela Alemanha a Israel. O escritor alemão acusa esse país de colocar em perigo a frágil paz mundial e insiste para que ele renuncie ao uso da força em suas relações internacionais.

Repercussão: o poema gerou controvérsias! Imediatamente, Israel declarou Günter Grass persona non grata (o que quer dizer que ele está proibido de entrar em Israel). Muitos escritores começaram a posicionar-se e os questionamentos em relação ao passado obscuro do autor voltaram à tona. Aventou-se até mesmo a possibilidade de retirar o Prêmio Nobel concedido em 1999 por causa de sua suposta atitude imoral (criticar é ser imoral?). Hoje, a academia sueca anunciou que não há razão para tal atitude.

Manifestantes, escritores, políticos – todos estão se posicionando em relação ao poema. A questão chegou nas altas instâncias: a chanceler Angela Merkel disse estar “horrorizada”; o ministro do Interior de Israel, Eli Ishai, disse que o escritor alemão é antissemita e incita o ódio a Israel; o ministro da Saúde alemão, Daniel Bahr, disse que tudo isso é um “exagero”.

De fato, o poema é uma crítica aberta à política do Estado de Israel. Mas, e daí? Não podemos criticar (com responsabilidade, claro) aquilo com o que discordamos? Proibi-lo de entrar em Israel é a resposta? Retirar o Prêmio Nobel de Literatura concedido há mais de 10 anos vai calá-lo? Vai mudar o que ele pensa?

Penso que o poema deveria levantar outro tipo de questão. Ao invés de revisitarmos o passado de Günter Grass e questionarmos se ele foi ou é antissemita, deveríamos nos ater ao mérito literário. Por que não discutimos a mensagem que ele passa no poema O que deve ser dito? Deveríamos discutir mais política e menos a vida dos outros.

E você? Que tal posicionar-se você também?

O que deve ser dito
Günter Grass
(tradução livre)


Por que me calo há tanto tempo
sobre o que é evidente e se empregava
em jogos de guerra em que no fim, sobreviventes,
terminamos como notas de rodapé.
É o suposto direito a um ataque preventivo
que poderia exterminar o povo iraniano,
subjugado e levado a um júbilo orquestrado por um fanfarrão,
porque em sua jurisdição suspeita-se da fabricação de uma bomba atômica.
Mas, por que me proíbo de dizer o nome
desse outro país em que há anos, ainda que secretamente,
dispõe-se de um crescente potencial nuclear
fora de controle, já que é inacessível a toda inspeção?
O silêncio generalizado sobre esse fato
ao qual o meu próprio silêncio se submeteu
me soa como uma grave mentira
e uma coação que ameaça castigar quando não se respeita;
"antissemitismo" é o nome da condenação.
Agora, no entanto, porque o meu país foi atingido
e chamado às falas uma e outra vez
por crimes muito particulares
incomparáveis rotineiramente
mesmo que depois qualificada como reparação
vai entregar a Israel outro submarino cuja especialidade
é dirigir ogivas aniquiladoras
em direção aonde não se comprovou a existência uma única bomba,
embora se queira apresentar como prova o medo.
Digo o que deve ser dito.
Por que me calei até agora?
Porque achava que minha origem,
marcada por um estigma indelével,
me proibia de atribuir esse fato, como é evidente,
ao país chamado Israel, ao qual estou unido e quero continuar estando.
Por que só agora digo, envelhecido e com minha última tinta:
Israel, potência nuclear, coloca em perigo uma paz mundial já por si mesmo f'rágil?
Porque é preciso dizer o que amanhã poderia ser tarde demais,
e porque incriminados o bastante por ser alemães poderíamos ser cúmplices
de um crime que é previsível,
tornando nossa parcela de culpa impossível de ser extinta com as desculpas de sempre.
Admito: não continuo calado porque estou farto da hipocrisia do Ocidente;
cabe esperar ainda que muitos se liberem do silêncio,
exijam ao causador desse perigo visível que renuncie ao uso da força
e insistam também em que os governos de ambos os países
permitam o controle permanente e sem barreiras
por uma instância internacional
do potencial nuclear israelense e das instalações nucleares iranianas.
Só assim poderemos ajudar a todos israelenses e palestinos
e sobretudo a todos os seres humanos que nessa região tomada pela demência
vivem como inimigos lado a lado
odiando-se mutuamente, e, definitivamente,
ajudar-nos também.

2 comentários:

  1. Excelente comentário sobre o "não-poema" de Günther Grass. Concordo com você e declaro que me assusta a maneira absurdamente agressiva e neurótica com que muitos políticos alemães reagiram a ele. Atacaram um escritor, mais uma vez, diga-se de passagem, por ele discursar abertamente sobre um tema que precisa ser discutido na Alemanha. Confundiram, nesciamente, sua crítica ao governo de Israel com antissemitismo (viva o novo acordo ortográfico...). Israel não é o Irã, mas não existe justificativa para que este país tenha a quantidade de armamentos nucleares que possui para fins "preventivos".

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  2. Li coisas absurdas publicadas no Brasil! Um blog até diz que "o antissemita GGrass colocou as manguinhas de fora". Parece-me que as pessoas nem se deram ao trabalho de ler "O que deve ser dito" - no qual o autor já prevê que será tachado de antissemita.

    Não se pode mais criticar Israel? Criticar Israel = antissemitismo?

    Todos estão mais preocupados com a vida de GGras do que com o conteúdo do que foi escrito.

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