Pode a poesia abalar as relações internacionais?
O que aconteceu: no dia 04
de abril, o escritor alemão Günter Grass
publicou, no jornal Süddeutche Zeitung, sua nova poesia entitulada Was
Gesagt Werden Muss – O que deve ser dito (tradução livre), que gerou enorme polêmica e muito debate. Veja a
notícia original aqui.
Quem é Günter Grass: escritor alemão e vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1999, é o
autor de O Tambor (que ainda não li,
mas que foi filmado em 1979 e ganhou, no Festival de Cannes, o prêmio de melhor
filme e, no ano seguinte, o Oscar de melhor filme estrangeiro).
Hoje, ele tem 84 anos e é uma
figura controversa: há alguns anos, em obra autobiográfica, revelou que foi
membro das Forças Armadas da Alemanha Nazista. A notícia, oculta por 6 décadas,
gerou contendas. Alguns autores posicionaram-se a favor de Günter Grass,
defendendo a ideia de que autor e obra são coisas distintas. O escritor
português José Saramago o criticou, e outros foram ainda mais longe em seus julgamentos em relação à obra e à ética do autor.
Sobre o que é: por meio do poema, Günter Grass posiciona-se em relação a temas controversos da
atual política internacional. São eles: possibilidade de ataque preventivo de
Israel ao Irã; possibilidade de haver, sob jurisdição do primeiro, arsenal
atômico; impossibilidade de inspeção desse arsenal e necessidade de fazê-lo,
assim como em relação às instalações nucleares iranianas; apatia da comunidade
internacional frente a essas questões; crítica à venda de submarinos nucleares
pela Alemanha a Israel. O escritor alemão acusa esse país de colocar em perigo a
frágil paz mundial e insiste para que ele renuncie ao uso da força em suas relações internacionais.
Repercussão: o poema gerou controvérsias! Imediatamente, Israel declarou
Günter Grass persona non grata (o que quer dizer que ele está proibido de
entrar em Israel). Muitos escritores começaram a posicionar-se e os
questionamentos em relação ao passado obscuro do autor voltaram à tona.
Aventou-se até mesmo a possibilidade de retirar o Prêmio Nobel concedido em
1999 por causa de sua suposta atitude imoral (criticar é ser imoral?). Hoje, a academia sueca anunciou que não há razão para tal atitude.
Manifestantes, escritores,
políticos – todos estão se posicionando em relação ao poema. A questão chegou
nas altas instâncias: a chanceler Angela Merkel disse estar “horrorizada”; o ministro do Interior de Israel, Eli Ishai, disse que o escritor alemão
é antissemita e incita o ódio a Israel; o ministro da Saúde alemão, Daniel
Bahr, disse que tudo isso é um “exagero”.
De fato, o poema é uma crítica
aberta à política do Estado de Israel. Mas, e daí? Não podemos criticar (com responsabilidade, claro) aquilo com
o que discordamos? Proibi-lo de entrar em Israel é a resposta? Retirar o Prêmio
Nobel de Literatura concedido há mais de 10 anos vai calá-lo? Vai mudar o que
ele pensa?
Penso que o poema deveria
levantar outro tipo de questão. Ao invés de revisitarmos o passado de
Günter Grass e questionarmos se ele foi ou é antissemita, deveríamos nos ater ao mérito literário. Por que não discutimos a
mensagem que ele passa no poema O que
deve ser dito? Deveríamos discutir mais política e menos a vida dos outros.
E você? Que tal posicionar-se você também?
O que deve ser dito
Günter Grass
(tradução livre)
Por que me calo há tanto tempo
sobre o que é evidente e se empregava
em jogos de guerra em que no fim, sobreviventes,
terminamos como notas de rodapé.
É o suposto direito a um ataque preventivo
que poderia exterminar o povo iraniano,
subjugado e levado a um júbilo orquestrado por um fanfarrão,
porque em sua jurisdição suspeita-se da fabricação de uma bomba atômica.
Mas, por que me proíbo de dizer o nome
desse outro país em que há anos, ainda que secretamente,
dispõe-se de um crescente potencial nuclear
fora de controle, já que é inacessível a toda inspeção?
O silêncio generalizado sobre esse fato
ao qual o meu próprio silêncio se submeteu
me soa como uma grave mentira
e uma coação que ameaça castigar quando não se respeita;
"antissemitismo" é o nome da condenação.
Agora, no entanto, porque o meu país foi atingido
e chamado às falas uma e outra vez
por crimes muito particulares
incomparáveis rotineiramente
mesmo que depois qualificada como reparação
vai entregar a Israel outro submarino cuja especialidade
é dirigir ogivas aniquiladoras
em direção aonde não se comprovou a existência uma única bomba,
embora se queira apresentar como prova o medo.
Digo o que deve ser dito.
Por que me calei até agora?
Porque achava que minha origem,
marcada por um estigma indelével,
me proibia de atribuir esse fato, como é evidente,
ao país chamado Israel, ao qual estou unido e quero continuar estando.
Por que só agora digo, envelhecido e com minha última tinta:
Israel, potência nuclear, coloca em perigo uma paz mundial já por si mesmo f'rágil?
Porque é preciso dizer o que amanhã poderia ser tarde demais,
e porque incriminados o bastante por ser alemães poderíamos ser cúmplices
de um crime que é previsível,
tornando nossa parcela de culpa impossível de ser extinta com as desculpas de sempre.
Admito: não continuo calado porque estou farto da hipocrisia do Ocidente;
cabe esperar ainda que muitos se liberem do silêncio,
exijam ao causador desse perigo visível que renuncie ao uso da força
e insistam também em que os governos de ambos os países
permitam o controle permanente e sem barreiras
por uma instância internacional
do potencial nuclear israelense e das instalações nucleares iranianas.
Só assim poderemos ajudar a todos israelenses e palestinos
e sobretudo a todos os seres humanos que nessa região tomada pela demência
vivem como inimigos lado a lado
odiando-se mutuamente, e, definitivamente,
ajudar-nos também.
(tradução livre)
Por que me calo há tanto tempo
sobre o que é evidente e se empregava
em jogos de guerra em que no fim, sobreviventes,
terminamos como notas de rodapé.
É o suposto direito a um ataque preventivo
que poderia exterminar o povo iraniano,
subjugado e levado a um júbilo orquestrado por um fanfarrão,
porque em sua jurisdição suspeita-se da fabricação de uma bomba atômica.
Mas, por que me proíbo de dizer o nome
desse outro país em que há anos, ainda que secretamente,
dispõe-se de um crescente potencial nuclear
fora de controle, já que é inacessível a toda inspeção?
O silêncio generalizado sobre esse fato
ao qual o meu próprio silêncio se submeteu
me soa como uma grave mentira
e uma coação que ameaça castigar quando não se respeita;
"antissemitismo" é o nome da condenação.
Agora, no entanto, porque o meu país foi atingido
e chamado às falas uma e outra vez
por crimes muito particulares
incomparáveis rotineiramente
mesmo que depois qualificada como reparação
vai entregar a Israel outro submarino cuja especialidade
é dirigir ogivas aniquiladoras
em direção aonde não se comprovou a existência uma única bomba,
embora se queira apresentar como prova o medo.
Digo o que deve ser dito.
Por que me calei até agora?
Porque achava que minha origem,
marcada por um estigma indelével,
me proibia de atribuir esse fato, como é evidente,
ao país chamado Israel, ao qual estou unido e quero continuar estando.
Por que só agora digo, envelhecido e com minha última tinta:
Israel, potência nuclear, coloca em perigo uma paz mundial já por si mesmo f'rágil?
Porque é preciso dizer o que amanhã poderia ser tarde demais,
e porque incriminados o bastante por ser alemães poderíamos ser cúmplices
de um crime que é previsível,
tornando nossa parcela de culpa impossível de ser extinta com as desculpas de sempre.
Admito: não continuo calado porque estou farto da hipocrisia do Ocidente;
cabe esperar ainda que muitos se liberem do silêncio,
exijam ao causador desse perigo visível que renuncie ao uso da força
e insistam também em que os governos de ambos os países
permitam o controle permanente e sem barreiras
por uma instância internacional
do potencial nuclear israelense e das instalações nucleares iranianas.
Só assim poderemos ajudar a todos israelenses e palestinos
e sobretudo a todos os seres humanos que nessa região tomada pela demência
vivem como inimigos lado a lado
odiando-se mutuamente, e, definitivamente,
ajudar-nos também.
Excelente comentário sobre o "não-poema" de Günther Grass. Concordo com você e declaro que me assusta a maneira absurdamente agressiva e neurótica com que muitos políticos alemães reagiram a ele. Atacaram um escritor, mais uma vez, diga-se de passagem, por ele discursar abertamente sobre um tema que precisa ser discutido na Alemanha. Confundiram, nesciamente, sua crítica ao governo de Israel com antissemitismo (viva o novo acordo ortográfico...). Israel não é o Irã, mas não existe justificativa para que este país tenha a quantidade de armamentos nucleares que possui para fins "preventivos".
ResponderExcluirLi coisas absurdas publicadas no Brasil! Um blog até diz que "o antissemita GGrass colocou as manguinhas de fora". Parece-me que as pessoas nem se deram ao trabalho de ler "O que deve ser dito" - no qual o autor já prevê que será tachado de antissemita.
ResponderExcluirNão se pode mais criticar Israel? Criticar Israel = antissemitismo?
Todos estão mais preocupados com a vida de GGras do que com o conteúdo do que foi escrito.