quinta-feira, 12 de abril de 2012

De quem é o seu apêndice?



Quando você passa por uma apendicectomia (remoção do apêndice), de quem é o apêndice que sai de você? É seu? Você diz “meu apêndice para viagem, por favor!”? Vai lá despedir-se dele? Dizer adeus para essa parte tão íntima do seu “eu”?

E na cirurgia de redução de estômago? Você se descabela, entra em depressão porque irá separar-se eternamente daquele que sempre esteve tão ligado a você e que foi fonte inesgotável de preocupação? Aquela parte de estômago extirpada é sua? Você tira uma foto e leva de recordação para casa?

E o tumor, aquele odiado? É seu ou você nunca mais quer ver a cara dele?

Quando você sai aliviado do hospital, para onde vão seus desamparados apêndice, estômago e tumor? Rejeitados, eles vão para o lixo hospitalar? Muitas vezes, sim. No grandes hospitais que desenvolvem pesquisa, não. Tudo é aproveitado.

Um dia, um indivíduo teve câncer, internou-se e fez tratamento. Seu tumor era brutal. Crescia, apesar de todos os medicamentos. Alguém pensou “será que é possível que essas células, tão potentes, sobrevivam fora do corpo do paciente? Afinal, elas não param de se reproduzir!”. Era 1951, a pesquisa com células dava seus primeiros passos, a paciente era mulher, pobre e negra. Ela não assinou nenhuma autorização.

Foram as primeiras células a sobreviver em laboratório. A paciente morreu. O nome dela era Henrietta Lacks. As suas células viveram e ajudaram a desenvolver medicamentos, terapias, salvaram vidas. Sem elas, como a indústria farmacêutica poderia testar novas drogas e tratamentos? Hoje, em 2012, as células de Henrietta ainda não pararam de se reproduzir. Se você trabalha em laboratório, já deve ter se deparado alguma vez com a Henrietta. Basta um telefonema para uma empresa do ramo e você pode comprar um lote das células HeLa (as duas primeiras sílabas do seu nome) para desenvolver sua pesquisa e fazer testes.

É surreal que suas células estejam por aí, revolucionando o mundo, enquanto seu corpo não existe mais. A família de Henrietta ainda existe. Ela teve filhos, que tiveram filhos. Eles estão por aí e continuam como sua mãe: pobres e negros. Até hoje, não ganharam um centavo, um reconhecimento, um agradecimento, nada! Na verdade, muitos anos se passaram até que descobrissem que as células de sua mãe estavam rodando o mundo sem lhes dar notícias.

Essa história é contada no livro maravilhoso de Rebecca Skloot, denominado A vida imortal de Henrietta Lacks. Ano passado, estava na Livraria Cultura de Porto Alegre e me deparei com ele na estante dos Lançamentos. Fiquei curiosíssima em relação àquela mulher, com a mão na cintura, que aparece na capa! Fã de biografias, adquiri-o sem pensar muito e o li em dois dias! Olha, vou dizer que, dos livros de li nos últimos dois anos, esse foi um dos melhores. Até hoje penso nele e não podia deixar de recomendá-lo. Ainda preciso desenvolver um sistema de pontuação para os livros aqui no Blog. Esse, com certeza, terá 5 estrelinhas! * * * * *

O livro reconstrói a trajetória de Henrietta Lacks. Seus filhos são localizados, e a autora acompanha o desenvolvimento de sua família (muito centrado na vida de uma de suas filhas, que ainda sofre imensamente a perda da mãe) e a luta pelos seus direitos. Adoro livros com fotos no meio! Hoje, os laboratórios de todo o mundo continuam reproduzindo, vendendo e fazendo fortunas com as células HeLa. A família, sem direito a nada e miserável, assiste de camarote.

Rebecca Skloot nos conta um pouco a história da pesquisa com células e nos situa em relação ao debate sobre a propriedade das células, tecidos e órgãos humanos quando eles estão fora do indivíduo. Parece chato, né? Mas é fantástico! Não se preocupem, o livro é para leigos e é uma delícia lê-lo!


Os médicos dizem que, ao retirar um órgão, tecido ou célula de um paciente, aquele pedaço não lhe pertence mais. Eles são encaminhados para o lixo hospitalar (no caso de hospitais e clínicas muito pequenas) ou são armazenados em bancos próprios e vendidos para fins de pesquisa. E o paciente? Sai do hospital feliz e, de preferência, nunca mais quer ouvir falar no seu apêndice, mesmo que ele tenha ajudado a desenvolver uma droga que esteja rendendo milhões de dólares.

O que você acha disso? De quem é o seu apêndice? Depois de ler o livro, comecei a me perguntar por onde estaria o meu. Será que ele foi responsável pela descoberta da cura de alguma doença e eu não sei? Será que tem gente rica às custas dele?

O livro traz à tona questões de gênero e de raça. Deixa-nos com a pulga atrás da orelha: o quão ética são as pesquisas de hoje? A medicina dá saltos evolutivos se não for por meios tortuosos?

Onde está o seu apêndice?
  • A primeira imagem do posto é uma foto atual da Henrietta Lacks!
  • Dê uma olhadinha no site oficial da autora aqui, onde você pode assistir ao trailer do livro. Gostei muito!
  • Navegue na página da The Henrietta Lacks Foundation.
  • Li, não lembro onde, que a Oprah está planejando transformar o livro em filme. Vamos aguardar!


Livro: A vida imortal de Henrietta Lacks
Autor: Rebecca Skloot
Lançamento: 2011
Edição: Companhia das Letras, 2011
Páginas: 456 (com direito a algumas fotos!)
Esse livro: comprei, li, e dei para minha irmã!

3 comentários:

  1. Gostei, Bebete! Do Blog, que não conhecia e das resenhas que li até agora. Foram poucas, só descobri seu Blog hoje. Ontem, quando li a resenha do livro Infiel (que tenho, já li e gostei muito) não reparei que o Blog era seu. Agora, já estou fuçando na net para comprar esse A vida imortal de Henrietta Lacks. Parece bem interessante e confio nas suas indicações.
    Repito: gostei imensamente de descobrir esse Blog, principalmente por ser seu.
    Um xero grande.
    FatinhaBarros

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    1. Fatinha, que bom que você gostou da iniciativa! Você é sempre bem-vinda por aqui (no blog e na minha casa!). Esse livro é imperdível! Você vai ter que achar um espacinho para ele em sua imensa coleção! :)

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