Quando você passa por uma apendicectomia (remoção do apêndice), de quem é o apêndice que sai de você? É seu?
Você diz “meu apêndice para viagem, por favor!”? Vai lá despedir-se dele? Dizer
adeus para essa parte tão íntima do seu “eu”?
E na cirurgia de redução de
estômago? Você se descabela, entra em depressão porque irá separar-se eternamente
daquele que sempre esteve tão ligado a você e que foi fonte inesgotável de
preocupação? Aquela parte de estômago extirpada é sua? Você tira uma foto e
leva de recordação para casa?
E o tumor, aquele odiado? É seu
ou você nunca mais quer ver a cara dele?
Quando você sai aliviado do
hospital, para onde vão seus desamparados apêndice, estômago e tumor?
Rejeitados, eles vão para o lixo hospitalar? Muitas vezes, sim. No grandes hospitais
que desenvolvem pesquisa, não. Tudo é aproveitado.
Um dia, um indivíduo teve câncer,
internou-se e fez tratamento. Seu tumor
era brutal. Crescia, apesar de todos
os medicamentos. Alguém pensou “será que é possível que essas células, tão
potentes, sobrevivam fora do corpo do paciente? Afinal, elas não param de se
reproduzir!”. Era 1951, a pesquisa com células dava seus primeiros
passos, a paciente era mulher, pobre e negra. Ela não assinou nenhuma
autorização.
Foram as primeiras células a
sobreviver em laboratório. A paciente morreu. O nome dela era Henrietta Lacks. As suas células viveram
e ajudaram a desenvolver medicamentos, terapias, salvaram vidas. Sem elas, como
a indústria farmacêutica poderia testar novas drogas e tratamentos? Hoje, em
2012, as células de Henrietta ainda não pararam de se reproduzir. Se você
trabalha em laboratório, já deve ter se deparado alguma vez com a Henrietta.
Basta um telefonema para uma empresa do ramo e você pode comprar um lote das
células HeLa (as duas primeiras
sílabas do seu nome) para desenvolver sua pesquisa e fazer testes.
É surreal que suas células
estejam por aí, revolucionando o mundo, enquanto seu corpo não existe mais. A
família de Henrietta ainda existe. Ela teve filhos, que tiveram filhos. Eles
estão por aí e continuam como sua mãe: pobres e negros. Até hoje, não ganharam
um centavo, um reconhecimento, um agradecimento, nada! Na verdade, muitos anos
se passaram até que descobrissem que as células de sua mãe estavam rodando o mundo sem lhes dar notícias.
Essa história é contada no livro maravilhoso de Rebecca Skloot, denominado A vida imortal de Henrietta Lacks.
Ano passado, estava na Livraria Cultura de Porto Alegre e me deparei com ele na
estante dos Lançamentos. Fiquei curiosíssima em relação àquela mulher, com a
mão na cintura, que aparece na capa! Fã de biografias, adquiri-o sem pensar
muito e o li em dois dias! Olha, vou dizer que, dos livros de li nos últimos
dois anos, esse foi um dos melhores.
Até hoje penso nele e não podia deixar de recomendá-lo. Ainda preciso
desenvolver um sistema de pontuação para os livros aqui no Blog. Esse, com
certeza, terá 5 estrelinhas! * * * * *
O livro reconstrói a trajetória
de Henrietta Lacks. Seus filhos são
localizados, e a autora acompanha o desenvolvimento de sua família (muito
centrado na vida de uma de suas filhas, que ainda sofre imensamente a perda da
mãe) e a luta pelos seus direitos. Adoro livros com fotos no meio! Hoje, os
laboratórios de todo o mundo continuam reproduzindo, vendendo e fazendo
fortunas com as células HeLa. A família,
sem direito a nada e miserável, assiste de camarote.
Rebecca Skloot nos conta um pouco a
história da pesquisa com células e nos situa em relação ao
debate sobre a propriedade das células, tecidos e órgãos humanos quando eles
estão fora do indivíduo. Parece chato, né? Mas é fantástico! Não se preocupem, o livro é para leigos e é uma delícia
lê-lo!
Os médicos dizem que, ao retirar um órgão, tecido ou célula de um paciente, aquele pedaço não lhe pertence mais. Eles são encaminhados para o lixo hospitalar (no caso de hospitais e clínicas muito pequenas) ou são armazenados em bancos próprios e vendidos para fins de pesquisa. E o paciente? Sai do hospital feliz e, de preferência, nunca mais quer ouvir falar no seu apêndice, mesmo que ele tenha ajudado a desenvolver uma droga que esteja rendendo milhões de dólares.
Os médicos dizem que, ao retirar um órgão, tecido ou célula de um paciente, aquele pedaço não lhe pertence mais. Eles são encaminhados para o lixo hospitalar (no caso de hospitais e clínicas muito pequenas) ou são armazenados em bancos próprios e vendidos para fins de pesquisa. E o paciente? Sai do hospital feliz e, de preferência, nunca mais quer ouvir falar no seu apêndice, mesmo que ele tenha ajudado a desenvolver uma droga que esteja rendendo milhões de dólares.
O que você acha disso? De quem é
o seu apêndice? Depois de ler o livro, comecei a me perguntar por onde estaria
o meu. Será que ele foi responsável pela descoberta da cura de alguma doença e eu não sei? Será que tem gente rica às custas dele?
O livro traz à tona questões de
gênero e de raça. Deixa-nos com a pulga atrás da orelha: o quão ética são as
pesquisas de hoje? A medicina dá saltos evolutivos se não for por meios
tortuosos?
Onde está o seu apêndice?
- A primeira imagem do posto é uma foto atual da Henrietta Lacks!
- Dê uma olhadinha no site oficial da autora aqui, onde você pode assistir ao trailer do livro. Gostei muito!
- Navegue na página da The Henrietta Lacks Foundation.
- Li, não lembro onde, que a Oprah está planejando transformar o livro em filme. Vamos aguardar!
Livro: A vida imortal de Henrietta Lacks
Autor: Rebecca Skloot
Lançamento: 2011
Edição: Companhia das Letras, 2011
Páginas: 456 (com direito a algumas fotos!)
Esse livro: comprei, li, e dei para minha irmã!
Interessante...
ResponderExcluirGostei, Bebete! Do Blog, que não conhecia e das resenhas que li até agora. Foram poucas, só descobri seu Blog hoje. Ontem, quando li a resenha do livro Infiel (que tenho, já li e gostei muito) não reparei que o Blog era seu. Agora, já estou fuçando na net para comprar esse A vida imortal de Henrietta Lacks. Parece bem interessante e confio nas suas indicações.
ResponderExcluirRepito: gostei imensamente de descobrir esse Blog, principalmente por ser seu.
Um xero grande.
FatinhaBarros
Fatinha, que bom que você gostou da iniciativa! Você é sempre bem-vinda por aqui (no blog e na minha casa!). Esse livro é imperdível! Você vai ter que achar um espacinho para ele em sua imensa coleção! :)
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