segunda-feira, 9 de abril de 2012

Infiel - a história de uma mulher que desafiou o islã


Quem nunca entrou na livraria e se deparou com esse livro logo nas primeiras prateleiras? Entre os mais vendidos? Confesso que, apesar de ser grande consumidora de biografias, tenho certo preconceito com a “lista dos 10 mais”. Resisti à tentação de ler Infiel por um bom tempo. Pensei: “deve ser água com açúcar”. Eu estava enganada.

No mês passado, fui passar uma temporada na casa da minha irmã. Quando olho para a mesinha de cabeceira dela, num ímpeto de curiosidade para saber o que ela anda lendo, lá estava o livro, novamente, me encarando, implorando para ser lido.  “Ok, você venceu, batata frita!”. Era sexta à tarde e, no sábado, já tinha terminado a leitura.

Infiel conta a história de uma menina que nasceu na Somália e que, por causa das atividades políticas de seu pai, viveu em diferentes países: Arábia Saudita, Etiópia e Quênia. O livro é a autobiografia de Ayaan Hirsi Ali: a princípio, muçulmana convicta; clitorictomizada pela avó, com uma tesoura, aos 5 anos; abandonada pelo pai; espancada pelo professor de religião; fugitiva de um casamento arranjado; exilada na Holanda; feminista; deputada; ameaçada; e, por fim, ateia. São palavras que definem, mas não resumem, a autora.

O livro começa com a Ayaan criança, devota e imersa na cultura tribal de seu país de origem - a Somália. O livro retrata bem a instabilidade política do país durante a ditadura de Siad Barre (1969-1991), da qual seu pai foi opositor.

Acompanhar o amadurecimento da autora e o surgimento dos questionamentos em relação ao islã foi o que me prendeu à leitura. O livro de Ayaan não é apenas crítica ao islamismo. Não é tão simples assim. O livro é sobre a sua jornada de autoconhecimento e, principalmente, de reconhecimento dos limites impostos às mulheres por uma religião que prega a submissão. Não é uma crítica infundada e gratuita. Ao final, após mudar-se para a Holanda e deparar-se com o multiculturalismo do país e com uma realidade tão diferente da sua, ela começa a questionar não apenas o islã, mas a própria existência de Deus. A jornada é fascinante, mas é, também, um soco no estômago.

Ativista dos direitos das mulheres muçulmanas, em 2004, ela e Theo van Gogh (cineasta holandês) lançaram o documentário Submission - Part 1, que causou furor na comunidade islâmica holandesa. O filme mostra  mulheres seminuas, com passagens do Corão tatuadas na pele, relatando abusos sofridos, muitas vezes em nome de Allah. Por causa de Submission, Ayaan sofreu ameaças e exilou-se nos EUA. Theo foi brutalmente assassinado, em plena luz do dia, com 7 tiros. Em seu peito, uma mensagem destinada a Ayaan estava presa com uma faca. Tudo isso por causa de um curta de 10 minutos! Dê uma olhadinha no filme (áudio em inglês):



Forte, né? O que você achou?

Em 2005, a revista Time considerou Ayaan Hirsi Ali uma das 100 pessoas mais influentes do mundo! Vale à pena ler Infiel. É uma leitura forte sobre autoconhecimento, religião, feminismo, história e cultura. É interessantíssimo e recomendo! Fique aqui com um trechinho que selecionei:

"Muita gente me pergunta o que é conviver com a ameaça de morte. É como ter uma doença crônica. Ela pode irromper e matá-lo, mas pode não se manifestar. Pode surgir daqui a uma semana ou passar décadas escondida.

Em geral, as pessoas que me fazem essa pergunta foram criadas em países ricos, na Europa ocidental ou nos Estados Unidos, depois da Segunda Guerra Mundial. Têm a vida por coisa líquida e certa. Onde nasci, a morte é uma visita constante. Um vírus, uma bactéria, um parasita; a seca e a fome; soldados e torturadores matam matam qualquer um a qualquer hora. A morte chega nas gotas e chuva que se transforma um inundação. Apodera-se da imaginação dos que estão no poder e mandam os subordinados perseguirem , torturarem e matarem qualquer um que lhes pareça inimigo. A morte seduz muita gente a dar cabo à própria vida para fugir de uma realidade insuportável. Devido à ideia da honra perdida, muitas mulheres veem a morte chegar pela mãos do pai, do irmão ou do marido. Ela arrebata as jovens, no parto, e deixa o recém-nascido órfão nas mãos de estranhos"
(pág. 490-491).



Livro: Infiel - a história de uma mulher que desafiou o islã
Autor: Ayaan Hirsi Ali
Lançamento: 2006
Edição: Companhia das Letras, 2008 
Páginas: 496
Esse livro: é da minha irmã mais nova, e eu ainda não devolvi!


10 comentários:

  1. Parece muito bom, mas aqui não vi para vender. Por que será, hein?

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    1. Tenho certeza que esse livro é proibido aí na Indonésia! A autora, Ayaan Hirsi Ali, foi considerada inimiga nr. 1 pelos muçulmanos. Só a amazon.com salva!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Oi, Bete. Li esse livro quando lançaram e me fez muito bem. Incrível o poder de superação dela. Tb assisti a uma entrevista dela na TV. Fiquei com vontade de relê-lo.
    bj

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  4. Uma coisa q me marcou no livro foi o lance de ter que saber quem foram seus ancestrais e saber dizê-la ao encontrar alguém. Penso nisso até hj pq só sei os nomes dos meus avós. Ela sabia até a quinta geração acima, se não me engano.
    Bom saber que estás escrevendo sobre livros. Vou dar meus pitacos e sugestões. Abraço.

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    1. Nem tinha parado para pensar nisso: eu também só sei até os meus avós (e, mesmo assim, nem sei direito quem são seus irmãos!).

      Adorei essa parte do livro sobre a cultura tribal na Somália e sobre como o islamismo é mesclado com as práticas ancestrais da região.

      Seus pitacos são SEMPRE bem-vindos! :)

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  5. Adorei esse. Gostei e me impressionei tanto que deitava e ficava com a cenas nítidas, não conseguia dormir. Na época Ayan falou no TCA em SSA, e eu morava em Sampa, fiquei arrasada, pois queria muito ter ido...

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    1. Fiquei muito tempo sem "querer saber" desse livro. Se está na lista dos mais vendidos, não dou muita bola! Uma pena! Nem soube que ela esteve em Salvador e perdi essa oportunidade! Hoje, adoraria vê-la falar.

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