segunda-feira, 30 de abril de 2012

Cem anos de solidão


Não é fácil escrever sobre um livro como Cem anos de solidão. Começo, aqui, reconhecendo minhas limitações. Terminei de lê-lo há, mais ou menos, uma semana e fiquei enrolando até esse momento para escrever esta resenha. Encontrei-me contra a parede: enquanto não a escrevia, não me permitia começar a ler outra coisa. Então, vamos lá!

Não sei por que, mas tinha um certo medo de ler esse livro. Sempre ouvi dizer que ele era muito longo, muito complicado, muito chato, muito... lá estava eu, mais uma vez, na Livraria Cultura de Porto Alegre, quando vi a sua nova edição olhando para mim, implorando para ser devorada... folheei; estranhei, pois achei-o curto com letras grandes; comprei! A leitura estendeu-se um pouco mais do que eu queria: comecei a lê-lo nas férias em Chapecó, que se prolongaram a Porto Alegre e terminei-o depois da mudança para Buenos Aires. Engraçado eu ter terminado aqui, cidade em que ele foi lançado pela primeira vez em 1967.

Apesar de o livro completar, este ano, 45 anos (!!!), ele é muito atual. As personagens são tão bem construídas, que é impossível não se identificar com alguma delas (ou várias delas). É inevitável não se emocionar e não ver poesia em cada frase.

Cem anos de solidão conta a saga dos Buendía, uma família de solitários. A história é contata em círculos, que se fecham e, depois, se repetem na nova geração de Aurelianos e de José Arcádios.

"...o coronel Aureliano Buendía quase conseguiu compreender que
o segredo de uma boa velhice não é mais que um  pacto honrado com a solidão (...)
Alguém se atreveu, certa vez, a perturbar sua solidão:
- Como vai, coronel? - perguntou ao passar.
- Aqui - respondeu ele. - Esperando meu enterro passar" (p.238).

Já no começo, notei grande similaridade entre Cem anos (já estamos íntimos, afinal, foi uma leitura de mais de 01 mês!) e O tempo e o vento, de Erico Veríssimo, escrito entre 1949 e 1962: ambos contam a trajetória de uma família em uma cidade em formação (Macondo e Santa Fé); ambos estão repletos de guerras, de romances e de paixões (extraconjungais); para mim, algumas personagens são até mesmo “parecidas” (Úrsula e Bibiana, ou Fernanda Del Carpio e Luzia Silva); é impossível acompanhar as narrativas sem constantes olhadas na árvore genealógica das respectivas famílias. Sempre soube que precisaria ler Cem anos com um caderninho de anotações ao lado para ir mapeando a família, mas o legal da nova edição é que ela já vem com a árvore genealógica dos Buendía! Navegando pela internet, achei umas árvores muito complicadas (doidas)!



Ao contrário dos meus preconceitos (no sentido literal da palavra), a leitura é agradável e fácil. Não posso dizer que é rápida, pois é impossível não parar para ficar remoendo passagens. Sobre uma delas, fiz até um post (Caralho!). Acho que é preciso ler o livro inteiro para entender o seu significado. É preciso conhecer Úrsula melhor.

"Úrsula passou a tranca na porta, decidida a não tirá-la pelo resto da vida.
'Vamos apodrecer aqui dentro', pensou.
'Vamos virar cinza nesta casa sem homens, mas não daremos a este povoado miserável
o prazer de nos ver chorar'.
Ficou a manhã inteira buscando uma recordação de seu filho nos rincões mais secretos,
mas não conseguiu encontrar nada" (p.214).

Em 1982, Gabriel García Márquez ganhou o Prêmio Nobel de Literatura por “seus romances e seus contos, nos quais o fantástico e o realismo são combinados em um mundo ricamente composto pela imaginação, refletindo a vida e os conflitos de um continente” (tradução livre – retirado de Nobelprize.org).

Em 2007, no IV Congresso Internacional da Língua Espanhola, na Colômbia, este livro foi considerado a 2ª obra mais importante da literatura hispânica, ficando atrás apenas de Dom Quixote.

Precisa de um motivo a mais para começar a ler? A jornada é fantástica!


Livro: Cem anos de solidão
Autor: Gabriel García Márquez
Lançamento: 1967
Edição: Record, 2011
Páginas: 447 (com letras grandes!)
Esse livro: é meu, comprado na Livraria Cultura de Porto Alegre

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Enquanto isso, na Argentina...

Hoje, Buenos Aires acordou assim:
Foto: Bete Thomas-B.
Foto: Bete Thomas-B.

  • Vista da minha janela.
  • CFK = Cristina Fernández de Kirchner.
  • YPF = Petroleira, filial do grupo espanhol Repsol, declarada "de interesse público nacional" e nacionalizada esta semana. Hoje, a YPF Gas S.A. também foi expropriada.

domingo, 15 de abril de 2012

Buenos Aires, primeiras impressões


O Blog é “sobre livros, literatura, estudo e outras coisinhas mais...”, então, decidi escrever sobre outras coisinhas mais!

Hoje, faz 1 semana que me mudei para Buenos Aires. É pouquíssimo tempo, eu sei! Estive aqui para fazer turismo, na mesma época do ano passado, mas agora tudo é diferente, ganha outra perspectiva.

Não quero assistir a show de tango, não quero comer alfajor, não quero passar meu domingo na feira de San Telmo ou ficar perambulando pela Calle Florida. Quero achar manicure boa (e que tire bem os cantinhos), lugar para fazer depilação (aceito sugestões!), ap legal e academia. Não quero andar pelas ruas com lojas de luxo da Recoleta, mas descobrir qual o supermercado melhor para fazer compras. Quero documentação e linha no celular. Quero ver como meu cabelo vai reagir ao novo clima!

Uma semana é pouco. Muito pouco. Mal saí da Recoleta, mas vou me atraver a pontuar umas coisinhas boas e não tão boas que senti por aqui. Coisas que, talvez, um turista não note.

02 coisas boas em Buenos Aires:
  • Vida cultural. Estou impressionada com a quantidade de coisas rolando pela cidade! Essa semana começou a mostra de cinema alternativo (com mais de 400 filmes); próxima semana, começa a feira do livro; além de muitas exposições, teatro, ópera. É preciso correr para conseguir ingressos! Neste quesito, São Paulo fica atrás!
  • Fazer tudo a pé. Tudo é perto e as ruas são arborizadas e planas. O transporte público é bom, e o táxi é barato. É muito bom ter tudo ao alcance da mão, sem ter que se preocupar com trânsito ou estacionamento. O sentimento de liberdade que isso traz é muito bom!

02 coisas não muito boas em Buenos Aires:
  • Serviço. Você adora reclamar do serviço no Brasil? Venha para cá! Mas não venha com a tranquilidade das férias, quando você pode passar 2 horas no restaurante. Aqui, não existe “vou ali almoçar rapidinho e depois resolver tal coisa” ou “vou dar uma olhadinha rápida nessa loja”. São os garçons quem decidem quanto tempo você vai ficar no restaurante (e prepare-se para ouvir um resmungão caso não deixe gorjeta mesmo achando o atendimento ruim) e, nas lojas, é preciso caçar alguém para te atender. A impressão que eu tenho é que ninguém recebe comissão e, como as gorjetas são obrigatórias, não é preciso prezar pela qualidade.
  • Estado. O Estado é uma figura presente no dia-a-dia do argentino! Como assim o futebol foi estatizado? Como assim há racionamento de erva-mate? Se você é da minha geração, só conhece racionamento no Brasil por meio dos livros de história!

Enfim, ainda estou descobrindo a cidade sob uma perspectiva nova, de moradora, e não de turista. Outro dia, observando a quantidade de velhinhos e de cachorrinhos passeando na rua, me peguei dizendo: aqui deve ser uma  boa cidade para envelhecer!

sábado, 14 de abril de 2012

quinta-feira, 12 de abril de 2012

De quem é o seu apêndice?



Quando você passa por uma apendicectomia (remoção do apêndice), de quem é o apêndice que sai de você? É seu? Você diz “meu apêndice para viagem, por favor!”? Vai lá despedir-se dele? Dizer adeus para essa parte tão íntima do seu “eu”?

E na cirurgia de redução de estômago? Você se descabela, entra em depressão porque irá separar-se eternamente daquele que sempre esteve tão ligado a você e que foi fonte inesgotável de preocupação? Aquela parte de estômago extirpada é sua? Você tira uma foto e leva de recordação para casa?

E o tumor, aquele odiado? É seu ou você nunca mais quer ver a cara dele?

Quando você sai aliviado do hospital, para onde vão seus desamparados apêndice, estômago e tumor? Rejeitados, eles vão para o lixo hospitalar? Muitas vezes, sim. No grandes hospitais que desenvolvem pesquisa, não. Tudo é aproveitado.

Um dia, um indivíduo teve câncer, internou-se e fez tratamento. Seu tumor era brutal. Crescia, apesar de todos os medicamentos. Alguém pensou “será que é possível que essas células, tão potentes, sobrevivam fora do corpo do paciente? Afinal, elas não param de se reproduzir!”. Era 1951, a pesquisa com células dava seus primeiros passos, a paciente era mulher, pobre e negra. Ela não assinou nenhuma autorização.

Foram as primeiras células a sobreviver em laboratório. A paciente morreu. O nome dela era Henrietta Lacks. As suas células viveram e ajudaram a desenvolver medicamentos, terapias, salvaram vidas. Sem elas, como a indústria farmacêutica poderia testar novas drogas e tratamentos? Hoje, em 2012, as células de Henrietta ainda não pararam de se reproduzir. Se você trabalha em laboratório, já deve ter se deparado alguma vez com a Henrietta. Basta um telefonema para uma empresa do ramo e você pode comprar um lote das células HeLa (as duas primeiras sílabas do seu nome) para desenvolver sua pesquisa e fazer testes.

É surreal que suas células estejam por aí, revolucionando o mundo, enquanto seu corpo não existe mais. A família de Henrietta ainda existe. Ela teve filhos, que tiveram filhos. Eles estão por aí e continuam como sua mãe: pobres e negros. Até hoje, não ganharam um centavo, um reconhecimento, um agradecimento, nada! Na verdade, muitos anos se passaram até que descobrissem que as células de sua mãe estavam rodando o mundo sem lhes dar notícias.

Essa história é contada no livro maravilhoso de Rebecca Skloot, denominado A vida imortal de Henrietta Lacks. Ano passado, estava na Livraria Cultura de Porto Alegre e me deparei com ele na estante dos Lançamentos. Fiquei curiosíssima em relação àquela mulher, com a mão na cintura, que aparece na capa! Fã de biografias, adquiri-o sem pensar muito e o li em dois dias! Olha, vou dizer que, dos livros de li nos últimos dois anos, esse foi um dos melhores. Até hoje penso nele e não podia deixar de recomendá-lo. Ainda preciso desenvolver um sistema de pontuação para os livros aqui no Blog. Esse, com certeza, terá 5 estrelinhas! * * * * *

O livro reconstrói a trajetória de Henrietta Lacks. Seus filhos são localizados, e a autora acompanha o desenvolvimento de sua família (muito centrado na vida de uma de suas filhas, que ainda sofre imensamente a perda da mãe) e a luta pelos seus direitos. Adoro livros com fotos no meio! Hoje, os laboratórios de todo o mundo continuam reproduzindo, vendendo e fazendo fortunas com as células HeLa. A família, sem direito a nada e miserável, assiste de camarote.

Rebecca Skloot nos conta um pouco a história da pesquisa com células e nos situa em relação ao debate sobre a propriedade das células, tecidos e órgãos humanos quando eles estão fora do indivíduo. Parece chato, né? Mas é fantástico! Não se preocupem, o livro é para leigos e é uma delícia lê-lo!


Os médicos dizem que, ao retirar um órgão, tecido ou célula de um paciente, aquele pedaço não lhe pertence mais. Eles são encaminhados para o lixo hospitalar (no caso de hospitais e clínicas muito pequenas) ou são armazenados em bancos próprios e vendidos para fins de pesquisa. E o paciente? Sai do hospital feliz e, de preferência, nunca mais quer ouvir falar no seu apêndice, mesmo que ele tenha ajudado a desenvolver uma droga que esteja rendendo milhões de dólares.

O que você acha disso? De quem é o seu apêndice? Depois de ler o livro, comecei a me perguntar por onde estaria o meu. Será que ele foi responsável pela descoberta da cura de alguma doença e eu não sei? Será que tem gente rica às custas dele?

O livro traz à tona questões de gênero e de raça. Deixa-nos com a pulga atrás da orelha: o quão ética são as pesquisas de hoje? A medicina dá saltos evolutivos se não for por meios tortuosos?

Onde está o seu apêndice?
  • A primeira imagem do posto é uma foto atual da Henrietta Lacks!
  • Dê uma olhadinha no site oficial da autora aqui, onde você pode assistir ao trailer do livro. Gostei muito!
  • Navegue na página da The Henrietta Lacks Foundation.
  • Li, não lembro onde, que a Oprah está planejando transformar o livro em filme. Vamos aguardar!


Livro: A vida imortal de Henrietta Lacks
Autor: Rebecca Skloot
Lançamento: 2011
Edição: Companhia das Letras, 2011
Páginas: 456 (com direito a algumas fotos!)
Esse livro: comprei, li, e dei para minha irmã!

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Confissão

Eu, Elizabete Thomas-Burkhardt, confesso a minha quase completa ignorância em relação à literatura de nossos vizinhos. Não sei por quê, mas sempre li bastante a literatura europeia (sem acento mesmo, por causa do novo acordo ortográfico!), principalmente os clássicos. Cresci com Kafka, Camus, Hermann Hesse, entre outros. Adorava caçar, na internet, listas dos "100 livros do século XX" para ir devorando-os e, depois, riscando-os da lista.

Os brasileiros é claro que eu li, afinal, eles iriam ser cobrados nas intermináveis provas de português da escola e, depois, no vestibular. Como não ter que ler Machado de Assis?

Mas os nossos hermanos... diga, rápido, o nome de um escritor colombiano! Ahá! Como me mudei essa semana para a Argentina, coloquei como meta conhecer melhor nossos vizinhos. Recentemente, comecei a ler Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, autor colombiano e estou en-can-ta-da! Mas isso é assunto para outro post... Também estou super empolgada com a Feira do Livro, que começa na próxima semana aqui em Buenos Aires, mas isso também é assunto para después!

E por que essa confissão agora? Porque acabo de descobrir uma necessidade! A Folha de São Paulo lança, este mês, uma coleção entitulada Literatura Ibero-Americana. São 25 livros, que começam a ser vendidos nas bancas, em todo o Brasil, a partir de 15 de abril!

Fui olhar a lista de autores e, apesar de conhecer vários nomes, não li nenhum título da lista. Ignorância total, mas muita curiosidade! Entre as 25 publicações estão: 05 argentinas; 04 portuguesas; 03 espanholas; 02 uruguaias; 03 chilenas (há, inclusive, uma publicação inédita do Pablo Neruda); 01 peruana; 01 cubana; 01 mexicana; 01 colombiana (que não é do Gabriel García Márquez! Você sabe o nome de outro escritor colombiano?). Entre os brazucas estão: Raduan Nassar; Moacyr Scliar, Lygia Fagundes Telles; Milton Hatoum; Hilda Hilst.

A Folha não está me pagando para fazer propaganda, mas tenho que dizer que a coleção é imperdível! Realmente, uma necessidade! Não sei como irei adquiri-los, uma vez que estou fora do país, mas, em breve, espero lê-los para dividir minhas impressões com vocês!

Obtenha mais informações aqui!

terça-feira, 10 de abril de 2012

Poesia & Relações Internacionais

Pode a poesia abalar as relações internacionais?


O que aconteceu:  no dia 04 de abril, o escritor alemão Günter Grass publicou, no jornal Süddeutche Zeitung, sua nova poesia entitulada Was Gesagt Werden Muss – O que deve ser dito (tradução livre), que gerou enorme polêmica e muito debate. Veja a notícia original aqui.

Quem é Günter Grass: escritor alemão e vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1999, é o autor de O Tambor (que ainda não li, mas que foi filmado em 1979 e ganhou, no Festival de Cannes, o prêmio de melhor filme e, no ano seguinte, o Oscar de melhor filme estrangeiro).

Hoje, ele tem 84 anos e é uma figura controversa: há alguns anos, em obra autobiográfica, revelou que foi membro das Forças Armadas da Alemanha Nazista. A notícia, oculta por 6 décadas, gerou contendas. Alguns autores posicionaram-se a favor de Günter Grass, defendendo a ideia de que autor e obra são coisas distintas. O escritor português José Saramago o criticou, e outros foram ainda mais longe em seus julgamentos em relação à obra e à ética do autor.

Sobre o que é: por meio do poema, Günter Grass posiciona-se em relação a temas controversos da atual política internacional. São eles: possibilidade de ataque preventivo de Israel ao Irã; possibilidade de haver, sob jurisdição do primeiro, arsenal atômico; impossibilidade de inspeção desse arsenal e necessidade de fazê-lo, assim como em relação às instalações nucleares iranianas; apatia da comunidade internacional frente a essas questões; crítica à venda de submarinos nucleares pela Alemanha a Israel. O escritor alemão acusa esse país de colocar em perigo a frágil paz mundial e insiste para que ele renuncie ao uso da força em suas relações internacionais.

Repercussão: o poema gerou controvérsias! Imediatamente, Israel declarou Günter Grass persona non grata (o que quer dizer que ele está proibido de entrar em Israel). Muitos escritores começaram a posicionar-se e os questionamentos em relação ao passado obscuro do autor voltaram à tona. Aventou-se até mesmo a possibilidade de retirar o Prêmio Nobel concedido em 1999 por causa de sua suposta atitude imoral (criticar é ser imoral?). Hoje, a academia sueca anunciou que não há razão para tal atitude.

Manifestantes, escritores, políticos – todos estão se posicionando em relação ao poema. A questão chegou nas altas instâncias: a chanceler Angela Merkel disse estar “horrorizada”; o ministro do Interior de Israel, Eli Ishai, disse que o escritor alemão é antissemita e incita o ódio a Israel; o ministro da Saúde alemão, Daniel Bahr, disse que tudo isso é um “exagero”.

De fato, o poema é uma crítica aberta à política do Estado de Israel. Mas, e daí? Não podemos criticar (com responsabilidade, claro) aquilo com o que discordamos? Proibi-lo de entrar em Israel é a resposta? Retirar o Prêmio Nobel de Literatura concedido há mais de 10 anos vai calá-lo? Vai mudar o que ele pensa?

Penso que o poema deveria levantar outro tipo de questão. Ao invés de revisitarmos o passado de Günter Grass e questionarmos se ele foi ou é antissemita, deveríamos nos ater ao mérito literário. Por que não discutimos a mensagem que ele passa no poema O que deve ser dito? Deveríamos discutir mais política e menos a vida dos outros.

E você? Que tal posicionar-se você também?

O que deve ser dito
Günter Grass
(tradução livre)


Por que me calo há tanto tempo
sobre o que é evidente e se empregava
em jogos de guerra em que no fim, sobreviventes,
terminamos como notas de rodapé.
É o suposto direito a um ataque preventivo
que poderia exterminar o povo iraniano,
subjugado e levado a um júbilo orquestrado por um fanfarrão,
porque em sua jurisdição suspeita-se da fabricação de uma bomba atômica.
Mas, por que me proíbo de dizer o nome
desse outro país em que há anos, ainda que secretamente,
dispõe-se de um crescente potencial nuclear
fora de controle, já que é inacessível a toda inspeção?
O silêncio generalizado sobre esse fato
ao qual o meu próprio silêncio se submeteu
me soa como uma grave mentira
e uma coação que ameaça castigar quando não se respeita;
"antissemitismo" é o nome da condenação.
Agora, no entanto, porque o meu país foi atingido
e chamado às falas uma e outra vez
por crimes muito particulares
incomparáveis rotineiramente
mesmo que depois qualificada como reparação
vai entregar a Israel outro submarino cuja especialidade
é dirigir ogivas aniquiladoras
em direção aonde não se comprovou a existência uma única bomba,
embora se queira apresentar como prova o medo.
Digo o que deve ser dito.
Por que me calei até agora?
Porque achava que minha origem,
marcada por um estigma indelével,
me proibia de atribuir esse fato, como é evidente,
ao país chamado Israel, ao qual estou unido e quero continuar estando.
Por que só agora digo, envelhecido e com minha última tinta:
Israel, potência nuclear, coloca em perigo uma paz mundial já por si mesmo f'rágil?
Porque é preciso dizer o que amanhã poderia ser tarde demais,
e porque incriminados o bastante por ser alemães poderíamos ser cúmplices
de um crime que é previsível,
tornando nossa parcela de culpa impossível de ser extinta com as desculpas de sempre.
Admito: não continuo calado porque estou farto da hipocrisia do Ocidente;
cabe esperar ainda que muitos se liberem do silêncio,
exijam ao causador desse perigo visível que renuncie ao uso da força
e insistam também em que os governos de ambos os países
permitam o controle permanente e sem barreiras
por uma instância internacional
do potencial nuclear israelense e das instalações nucleares iranianas.
Só assim poderemos ajudar a todos israelenses e palestinos
e sobretudo a todos os seres humanos que nessa região tomada pela demência
vivem como inimigos lado a lado
odiando-se mutuamente, e, definitivamente,
ajudar-nos também.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Infiel - a história de uma mulher que desafiou o islã


Quem nunca entrou na livraria e se deparou com esse livro logo nas primeiras prateleiras? Entre os mais vendidos? Confesso que, apesar de ser grande consumidora de biografias, tenho certo preconceito com a “lista dos 10 mais”. Resisti à tentação de ler Infiel por um bom tempo. Pensei: “deve ser água com açúcar”. Eu estava enganada.

No mês passado, fui passar uma temporada na casa da minha irmã. Quando olho para a mesinha de cabeceira dela, num ímpeto de curiosidade para saber o que ela anda lendo, lá estava o livro, novamente, me encarando, implorando para ser lido.  “Ok, você venceu, batata frita!”. Era sexta à tarde e, no sábado, já tinha terminado a leitura.

Infiel conta a história de uma menina que nasceu na Somália e que, por causa das atividades políticas de seu pai, viveu em diferentes países: Arábia Saudita, Etiópia e Quênia. O livro é a autobiografia de Ayaan Hirsi Ali: a princípio, muçulmana convicta; clitorictomizada pela avó, com uma tesoura, aos 5 anos; abandonada pelo pai; espancada pelo professor de religião; fugitiva de um casamento arranjado; exilada na Holanda; feminista; deputada; ameaçada; e, por fim, ateia. São palavras que definem, mas não resumem, a autora.

O livro começa com a Ayaan criança, devota e imersa na cultura tribal de seu país de origem - a Somália. O livro retrata bem a instabilidade política do país durante a ditadura de Siad Barre (1969-1991), da qual seu pai foi opositor.

Acompanhar o amadurecimento da autora e o surgimento dos questionamentos em relação ao islã foi o que me prendeu à leitura. O livro de Ayaan não é apenas crítica ao islamismo. Não é tão simples assim. O livro é sobre a sua jornada de autoconhecimento e, principalmente, de reconhecimento dos limites impostos às mulheres por uma religião que prega a submissão. Não é uma crítica infundada e gratuita. Ao final, após mudar-se para a Holanda e deparar-se com o multiculturalismo do país e com uma realidade tão diferente da sua, ela começa a questionar não apenas o islã, mas a própria existência de Deus. A jornada é fascinante, mas é, também, um soco no estômago.

Ativista dos direitos das mulheres muçulmanas, em 2004, ela e Theo van Gogh (cineasta holandês) lançaram o documentário Submission - Part 1, que causou furor na comunidade islâmica holandesa. O filme mostra  mulheres seminuas, com passagens do Corão tatuadas na pele, relatando abusos sofridos, muitas vezes em nome de Allah. Por causa de Submission, Ayaan sofreu ameaças e exilou-se nos EUA. Theo foi brutalmente assassinado, em plena luz do dia, com 7 tiros. Em seu peito, uma mensagem destinada a Ayaan estava presa com uma faca. Tudo isso por causa de um curta de 10 minutos! Dê uma olhadinha no filme (áudio em inglês):



Forte, né? O que você achou?

Em 2005, a revista Time considerou Ayaan Hirsi Ali uma das 100 pessoas mais influentes do mundo! Vale à pena ler Infiel. É uma leitura forte sobre autoconhecimento, religião, feminismo, história e cultura. É interessantíssimo e recomendo! Fique aqui com um trechinho que selecionei:

"Muita gente me pergunta o que é conviver com a ameaça de morte. É como ter uma doença crônica. Ela pode irromper e matá-lo, mas pode não se manifestar. Pode surgir daqui a uma semana ou passar décadas escondida.

Em geral, as pessoas que me fazem essa pergunta foram criadas em países ricos, na Europa ocidental ou nos Estados Unidos, depois da Segunda Guerra Mundial. Têm a vida por coisa líquida e certa. Onde nasci, a morte é uma visita constante. Um vírus, uma bactéria, um parasita; a seca e a fome; soldados e torturadores matam matam qualquer um a qualquer hora. A morte chega nas gotas e chuva que se transforma um inundação. Apodera-se da imaginação dos que estão no poder e mandam os subordinados perseguirem , torturarem e matarem qualquer um que lhes pareça inimigo. A morte seduz muita gente a dar cabo à própria vida para fugir de uma realidade insuportável. Devido à ideia da honra perdida, muitas mulheres veem a morte chegar pela mãos do pai, do irmão ou do marido. Ela arrebata as jovens, no parto, e deixa o recém-nascido órfão nas mãos de estranhos"
(pág. 490-491).



Livro: Infiel - a história de uma mulher que desafiou o islã
Autor: Ayaan Hirsi Ali
Lançamento: 2006
Edição: Companhia das Letras, 2008 
Páginas: 496
Esse livro: é da minha irmã mais nova, e eu ainda não devolvi!


domingo, 1 de abril de 2012

Ele nasceu! Ele nasceu!


Há dois anos, nasceu em mim a vontade de escrever um Blog.

Primeiro, ia ser um Blog sobre a vindoura experiência de morar dois anos na Indonésia. Tinha até nome: Mundo Baru (Baru, em indonésio, quer dizer novo). Ficava me perguntando: quem é que vai perder tempo lendo sobre o que eu tenho a escrever sobre a Indonésia? Passaram-se dois anos, e não fiz nada a respeito. Nesse tempo, perdi a conta dos e-mails sobre dicas de viagem pelo Sudeste Asiático que poderiam ter sido posts do Blog; tive experiências únicas sobre as quais ainda preciso escrever; vi os Blogs mais desinteressantes nascerem... o meu existia apenas na minha cabeça.

No final de 2011, a vontade reapareceu, mas já estava de mudança da Indonésia para a Argentina. Criar mais um Blog sobre a Argentina? O lugar comum da América do Sul? No way!

Então, surgiu a ideia deste Blog. Estou há meses pensando nele. Demoro horas para dormir bolando textos e temas para ele. E hoje, 1º de Abril de 2012 (parece mentira, né?), ele nasce por decreto!

Sobre o que ele é? Sobre livros. Passei minha vida rodeada por eles (a começar pelos do meu avô) e passo parte considerável do meu dia em função deles: seja porque estou estudando para concurso, seja porque ler é indispensável para mim. Não é apenas a leitura em si, mas a busca que começa antes e depois dela: as diversas tardes à toa pela livraria procurando uma necessidade; a pesquisa na internet sobre o autor e a sua vida após ler determinado livro (oh yeah, sou meio curiosa mesmo!); o ar de intelectualóide que assumo quando vou indicar alguma leitura. Simplesmente, os livros fazem parte da minha vida e decidi escrever sobre eles, antes que sejam digitlizados e deixem de existir!

É sobre livros! E sobre outras coisinhas mais...