quarta-feira, 23 de maio de 2012

Memória de minhas putas tristes


Combinei com uma amiga de lermos Memória de minhas putas tristes juntas. Ela iria lê-lo para o curso de espanhol, e eu estou em minha fase latino-americanista. Confesso que já deveria ter terminado o livro há tempos, mas a mudança de casa e a confusão que veio a seguir não deixaram. Fui lendo devagarrziiiinnnnhhhhoooo, parei de ler, respirei fundo, recomecei e li de uma vez.

Fiquei surpresa com a escrita de Gabriel García Márquez, muito diferente do que li em Cem anos de solidão ou em O amor nos tempos do cólera. O livro mais parece um conto e pouco há do realismo mágico (em breve, um post sobre o tema), pelo qual García Máquez é tão conhecido. Será que há um pouco de autobiografia nele?

Esse é o terceiro livro que eu leio do autor e já posso perceber alguns temas que são transversais em sua obra: o tratado de Neerlândia (também citado em Cem anos, que colocou fim à guerra dos Mil Dias na Colômbia) e a temática do personagem que faz a relação de suas amantes (já abordado em O amor nos temos de cólera). Parece-me que essa intertextualidade é constante. Por sinal, é essa listinha de amantes que dá o nome ao livro, que nada mais é do que uma memória de suas putas tristes.

A personagem sem nome, que tem fama de sábio, narra uma vida sem grandes acontecimentos até o seu aniversário de 90 anos, quando há “o início de uma nova vida, e numa idade em que a maioria dos mortais está morta” (p.09). É nessa noite que a personagem conhece o seu 1º amor, Delgadina (nome fictício, inventado por ele), com quem tem um amor quase platônico. Quase platônico, pois não há um relacionamento de fato. Enquanto a menina dorme, o nonagenário vive uma vida de fantasias. Ele torna-se um apaixonado. A personagem diz: “dito às claras e às secas, sou da raça sem mérito nem brilho, que não teria nada a legar aos seus sobreviventes se não fossem os fatos que me proponho a narrar do jeito que conseguir nesta memória do meu grande amor” (p.11).

Em muitos aspectos a história me lembrou muito com a de O amor nos tempos do cólera: ambas as personagens (Florentino Ariza, no caso do segundo livro) têm uma vida devassa, fazem uma coletânea de suas parceiras e descobrem o amor em idade avançada. Ambos descobrem que “o sexo é o consolo que a gente tem quando o amor não nos alcança” (p.79).

O livro é curto, monotemático e agradável de ler! Não me apaixonei pela personagem principal, como ocorreu nos demais livros que eu li de Gabriel García Márquez. Fiquei o tempo todo esperando que algo surreal acontecesse, como é esperado em suas obras. Nada disso aconteceu, mas o livro reforçou, em mim, a certeza de que nunca é tarde para começar a amar (ok, ok, reconheço que fui piegas agora!). Fiquei com algumas passagens na cabeça, que gostaria de compartilhar:

“A falta de sossego acabou com o rigor dos meus dias. Acordava às cinco, mas ficava na penumbra do quarto imaginando Delgadina em sua vida irreal de acordar os irmãos, vesti-los para a escola, servir o café da manhã, se houvesse o que pôr na mesa, e atravessar a cidade de bicicleta para cumprir a pena de pregar botões. E me perguntei assombrado: Em que pensa uma mulher enquanto prega um botão? Pensava em mim? Ela também procurava Rosa Cabarcas [a cafetina] para me achar? Passei uma semana inteira sem tirar o macacão de mecânico nem de dia nem de noite, sem tomar banho, sem fazer a barba, sem escovar os dentes, porque o amor me mostrou tarde demais que a gente se arruma para alguém, se veste e se perfuma para alguém, e eu nunca tinha tido para quem” (p.92-93) [observação minha].

“É que estou ficando velho, disse a ela. Já ficamos, suspirou ela. Acontece que a gente não sente por dentro, mas de fora todo mundo vê” (p.109).

“A idade não é a que a gente tem, mas a que a gente sente” (perdi o número da página).

Gabriel García Márquez

Autor: Gabriel García Márquez (Colômbia)
Lançamento: 2005
Edição: Record, 2006
Páginas: 127 (para ler rapidinho!)
Este livro: pelo que eu pesquisei, foi inspirado em um livro do também Prêmio Nobel japonês Yazunari Kawabata, cujo título é A casa das belas adormecidas. Por sinal, uma passagem desse livro está na epígrafe do Memória.

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